Thais Nunes | Escritora e Autora

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Nomadismo digital e como realizar este sonho

Nomadismo digital: um relato sobre como “acabamos” com nosso sonho

Nomadismo digital é o termo utilizado para descrever o estilo de vida de pessoas que não possuem residência fixa, mudando-se constantemente de local e trabalhando remotamente pela internet.

Essa prática se popularizou durante a pandemia, devido à necessidade de ficarmos mais em casa e ao destaque dado ao trabalho remoto. No entanto, o nomadismo digital existe há bastante tempo e já era um sonho meu e do meu marido.

Acompanhávamos alguns nômades pelas redes sociais, sempre imaginando o dia em que teríamos a coragem de fazer o mesmo. Parecia loucura vender tudo e viver assim, mas também parecia uma incrível experiência.

Então, chegou a pandemia, aquela que mudou a vida de tanta gente. Como muitas pessoas, começamos a trabalhar remotamente, dando um passo na direção do nomadismo; por acaso, o antigo sonho estava mais próximo. Mas estávamos no meio de uma pandemia, lembra? Ninguém viajaria a lugar algum naquela época.

Passado o fatídico período pandêmico, decidimos que era a hora de colocar nosso plano em prática, antes que acontecesse mais alguma coisa que pudesse nos impedir (como diz Bon Jovi: “It’s now or never” — aliás, minha música de formatura.) Foi um ano de planejamento, mas com calma, sem grandes organizações; acho que ainda estávamos com aquele sentimento de dúvida, quando algo grande está prestes a se realizar: será que isso realmente vai acontecer?

Pois é, aconteceu.

Reuni aqui as principais etapas que deram início ao nomadismo digital em nossas vidas e uma análise sobre como  “acabamos” com nosso sonho. Quem sabe você também precisa acabar com o seu?

Arrumando as coisas e… quanta coisa, hein?

Os meses foram passando, e estávamos cada vez mais próximos de iniciar os preparativos. Estava finalmente acontecendo. A essa altura, o roteiro da nossa viagem de carro pelo Brasil já estava pronto, pelo menos para o primeiro ano. Mas até então, tudo parecia uma fantasia boa demais para ser verdade. Até que, um mês antes de nos mudarmos para o primeiro destino, começamos a arrumar nossas coisas. E quanta coisa, hein?

Foi desesperador.

Cada item precisava ser analisado e encaminhado para um dos quatro destinos possíveis: doação, lixo, viagem ou depósito.

Ali, iniciei um ótimo exercício de desapego, que levei comigo para a vida — mas isso é assunto para outro dia.

Depois de muito trabalho, separamos o que realmente levaríamos na viagem. Nosso primeiro destino foi o Balneário Arroio do Silva, cerca de uma hora de distância de onde morávamos. No trajeto até lá, estávamos exaustos, com dores pelo corpo e com o carro abarrotado de coisas; meu assento teve que ser inclinado para a frente, minha cara ficou quase no painel e nossa cachorrinha desapareceu debaixo das coisas.

O sonho estava se tornando realidade.

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Foto feita dias depois para registrar os hematomas que restaram depois da mudança.

O início do nomadismo digital a passos de bebê

Uma boa estratégia que utilizamos, mesmo sem querer, foi escolher viagens curtas nos primeiros meses. Era verão, e queríamos estar na praia, por isso, fomos explorando o litoral do estado em que morávamos. Também ficamos em locais que já havíamos conhecido antes como turistas, mas garanto a vocês que a experiência é completamente diferente.

Quando estamos a passeio, não precisamos escolher o melhor supermercado e criar uma rotina de compras semanais; o comércio local não precisa ser o mais completo, não costumamos lidar com o serviço de correio, e, o mais importante, não precisamos trabalhar de segunda a sexta, enquanto nossos vizinhos estão na rua com roupas de banho, álcool no sangue e música sertaneja no ouvido.

Voltando aos passos de bebê, foi importante termos começado devagar. Isso nos possibilitou rever nossa família quando necessário e também nos permitiu deixar mais coisas para trás com nossos familiares. Viver viajando era uma experiência completamente diferente para nós. Então, por mais que tivéssemos nos planejado (eu sou a rainha do planejamento quando se trata de grandes projetos; planejo tudo nos mínimos detalhes — até demais), não foi o suficiente para saber do que realmente precisaríamos nessa jornada.

Nas minhas pesquisas sobre o que levar ou, ao menos, com o que se importar, anotei dicas valiosas, mas uma coisa preciso dizer: por mais que a situação seja parecida, nossas necessidades sempre serão diferentes das dos outros. Por exemplo, eu não consigo dormir com qualquer tipo de travesseiro, por isso levo o meu; também não consigo limpar a casa sem meu aspirador de pó, por isso ele viaja atravessado no meio do carro. Alguns nômades que encontramos por aí até nos chamaram de malucos por carregarmos tantas coisas e nos garantiram que deixaríamos metade para trás.

Conhecer a experiência de outras pessoas que passaram pelo mesmo que vamos passar é importante e inteligente para ter uma ideia de como começar aquela jornada, mas somente a experiência nos mostrará quais serão nossas necessidades reais. Então, o jeito é botar a mão na massa.

E chegando nesse ponto, preciso dizer que o “mão na massa” nos transportou para a realidade, o lugar de onde, na verdade, nunca saímos.

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Alguns sacos azuis foram para o depósito, a caixa com livros no centro e os jogos de tabuleiro ao fundo foram para doação. O restante sobrou como “importante” para levarmos na viagem (!!)

Como “acabamos” com nosso sonho

Quando sonhamos com algo o pensamento costuma ser fantasioso, esbanjando sentimento de satisfação e realização. Como se o alcance daquele objetivo fizesse a vida toda ter sentido. 

Até que o sonho se realiza. 

Quando um sonho se torna real, ele deixa de ser um sonho, certo? E a realidade, por mais gratificante que seja, nunca é o paraíso que imaginávamos. Hoje, não vivemos um sonho, mas a realidade que sonhamos, o pé no chão. Temos nossa rotina, nossos trabalhos; precisamos de planejamento e disciplina para fazer tudo dar certo.

É comum ouvirmos de pessoas que encontramos pelo caminho que estamos vivendo um sonho, acompanhado de olhos brilhantes. Nesse momento, percebemos que, sim, estamos vivendo o que sonhamos, mas o sonho deixou de existir. Era um objetivo tão grande, e por um bom tempo difícil de alcançar, que, quando alcançamos, tivemos a noção de quanta fantasia criamos — o que, claro, não tira o prazer de tudo.

Estamos constantemente exaustos pelas viagens e mudanças, gastamos mais dinheiro do que gostaríamos, porque queremos experimentar as culinárias locais mais vezes do que deveríamos. Também precisamos nos privar de algumas atividades turísticas, justamente porque não estamos apenas “turistando”; e não posso deixar de mencionar que estamos longe de pessoas que amamos e perdendo datas importantes. Por outro lado, estamos conhecendo lugares incríveis, que por vezes nos emocionam, outras pessoas viajantes e interessantes, adquirindo experiências, experiências e experiências — nossa bagagem mais valiosa. 

A vida é isso, uma hora está tudo bem e, de repente, não está mais, depois volta a estar. A gente aceita e dá o próximo passo. A “vivência dos sonhos” é exatamente igual. 

E é essa “consciência de realidade” que me instiga a ir além e acabar com outro tanto de sonho que tenho; quero ver a realidade estragando a fantasia e o cansaço consumindo o glamour. E você?

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