A construção de personagens é o elemento primordial de qualquer ficção, principalmente aquele em torno do qual a história irá se desenrolar: o protagonista.
É o protagonista quem irá conduzir o enredo; é por causa dele que a trama se desenrolará daquela maneira; e é ele quem irá se relacionar, de alguma forma, com os demais personagens. Sendo assim, o protagonista precisa ser interessante o suficiente para que o leitor deseje acompanhá-lo por horas de leitura.
Estou trabalhando no meu terceiro livro e, pela primeira vez, sinto que alcancei a imersão na vida da protagonista que sempre busquei. Sinto-a viva ao meu lado todos os dias, desde que algumas páginas deram início à sua história — e também me preocupo com o dia em que ela não estiver mais aqui.
E é esse sentimento que quero descrever neste texto.
Se você está buscando um manual técnico de construção de personagens, este não é o lugar — mas, para sua sorte, vou deixar a indicação de um dos melhores livros que já estudei, e continuo estudando, sobre a escrita de livros, com tudo o que você precisa para iniciar sua história.
Mas se quiser entender como construí a minha nova protagonista e todo o sentimento que envolveu esse momento de criação, você está no lugar certo.
Dando vida ao personagem
Tal como o desenvolvimento de um embrião, o personagem começa ganhando suas primeiras características físicas.
Minhas protagonistas anteriores ganharam um rosto na minha mente e ali permaneceram. Sempre pensei que se escolhesse rostos de pessoas reais, elas deixariam de ser únicas — como todos nós somos.
Mas esse hábito se mostrou um erro tempos depois, quando percebi que não tinha os detalhes nem a materialidade daquele rosto para me apegar durante a escrita do livro, embora tenha demorado a perceber o problema.
Dessa vez, todos os personagens ganharam um rosto encontrado entre tantos espalhados pela internet — será que o seu está ali? rs Mas, no instante em que preguei meus olhos em cada um deles, eles se tornaram únicos.
Vez ou outra, abro o app de fotos do meu celular e me deparo com o rosto da minha nova protagonista, sorrio e penso: minha I.
Imaginar toda a sua história desde o nascimento e as experiências que moldariam sua personalidade foi como invadir a vida de alguém; um ato quase constrangedor.
Quando percebi, I. estava ao meu lado sussurrando cada acontecimento e os sentimentos por trás de suas ações. Não como uma entidade espírita me assombrando; nada de sobrenatural. Mas porque, ao definir cada detalhe de sua vida desde o nascimento, eu precisava respeitar quem ela deveria se tornar e como aquele tipo de pessoa deveria se comportar.
Defini os parâmetros iniciais de sua vida e, dali para frente, tudo é consequência.
Desde o primeiro dia, sinto a presença da protagonista que criei. Tem sido uma ótima experiência entender como ela reagiria a certos momentos da minha vida, pois isso tem me ajudado a compreendê-la melhor.
Vou confessar uma coisa aqui, só entre nós — porque sei que pouquíssimas pessoas leem o que escrevo aqui e menos ainda passam do primeiro parágrafo —, às vezes, tenho medo de enlouquecer e não conseguir me desprender dessa presença, tornando-a minha amiga imaginária — a primeira de muitas.
Naquele momento, finalmente entendi o significado de sentir como se os personagens estivessem escrevendo a própria história — como muitos escritores afirmam. Mas também já aprendi que não devemos deixar as rédeas do enredo soltas em suas mãos, pois nem sempre isso termina bem.
Também não devemos expor a vida do personagem como se estivesse em exibição numa vitrine.
Para isso, é preciso definir até onde os personagens, principalmente o protagonista, terão suas vidas expostas.
O que será revelado?
Depois de tantas páginas e detalhes escritos, vem a parte cruel: saber o que daquilo tudo será levado para a história.
Sei que muitos escritores acham um desperdício ter pensado em tantos detalhes para deixá-los escondidos e, portanto, dão um jeitinho de enfiar tudo na história discretamente. Eu também já pensei nisso e, eventualmente, continuarei pensando.
Mas sabemos que, de um jeito ou de outro, tudo vai para o livro. Porque todas as ações do personagem estarão de acordo com tudo aquilo que foi definido anteriormente para ele.
E, cá entre nós, o leitor atento percebe quando o personagem tem a profundidade de um pires e quando ele foi bem trabalhado, sem que precisemos escancarar o diário de toda a sua vida no enredo.
No fim das contas, escolher o que deve ser destacado na história, o que pode ficar escondido e o que deve estar subentendido é uma questão mais técnica mesmo; de analisar o que irá funcionar dentro da história, o que fará sentido estar ali.
Como mencionei lá no início, pela primeira vez consegui uma imersão na vida da protagonista que sempre busquei, e disso resultaram muitos detalhes de sua vida; muito mais do que já pensei para minhas outras protagonistas.
E isso me deu mais liberdade para permitir que minha protagonista seja quem ela é dentro do enredo sem medo de errar. Eu, como autora, posso errar em alguns pontos, mas minha I. não; cada passo dela será justificado.
É por isso que muitos autores encaram suas criações como seus filhos.
Após todo o trabalho com a construção de personagens, tem como nao chamá-los de filhos?
Tá, sei que o livro, depois de pronto, encapado e tudo mais, se torna um produto, precisa ser vendido e pertencerá a outras pessoas que terão suas próprias interpretações.
Eu sei de tudo isso, e, a partir do momento em que alguém toma posse de uma das cópias do meu livro, eu “lavo minhas mãos” e a pessoa está livre para achar o que quiser.
Mas também, eu não poderia deixar de pensar naquela história vivida pelos personagens que eu mesma “gestei” como sendo meus filhos, afinal, saíram de mim.
O mais interessante de um livro, e o que contribui para o sentimento de posse do autor, na minha opinião, é que ninguém lê a mesma história.
As interpretações de uma mesma história correm soltas. Algumas até podem ser mais parecidas, mas ninguém tem a mesma percepção de tudo; principalmente das coisas que precisam ser imaginadas ou intuídas.
O que o autor sentiu e imaginou não será sentido nem imaginado por ninguém. Essa individualidade é o que mais me fascina nos livros; é um mundinho diferente para cada leitor.
Vou concluindo este texto por aqui — que mais parece um desabafo direto das profundezas de uma escritora em criação —, com a certeza de que despejei um bocado das minhas reflexões “gestacionais” e espero que tenham sido úteis para as suas próprias reflexões, ou apenas para sanar a curiosidade sobre uma pequena, e íntima, parte do meu processo criativo.
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